Tudo pode ser roubado (Giovana Madalosso)

Este livro tem algo único. Talvez eu me sinta assim por não ter me dedicado o suficiente a ler literatura brasileira nos últimos meses, mas tem algo nesse livro que me fez pensar "caramba, essa brasileira sabe escrever bem". O jeito como a Giovana Madalosso contou essa história me encantou muito, mesmo quando o enredo não me agradava em alguns aspectos. Após este seu romance de estréia, ela com certeza se consagrou como uma autora que devemos ficar de olho.

capa tudo pode ser roubado

SINOPSE

Uma garçonete em um conhecido restaurante na região da Avenida Paulista cuja única ambição é comprar um apartamento costuma aproveitar encontros fortuitos nas casas de homens e mulheres aleatórios para roubar roupas de grife e objetos de valor. Até que um desconhecido a aborda no restaurante lhe oferecendo uma bolada para roubar um livro: a primeira edição de O GUARANI, de 1857, arrematada em leilão por um professor universitário que se recusa a vendê-la. A partir daí, a protagonista mergulha cada vez mais em um estranho submundo que mistura um milionário excêntrico, drogas, sexo, Bar Mitzvahs de luxo e, por baixo de tudo isso, um profundo vazio.

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Escrito em primeira pessoa, este livro tem como protagonista uma garçonete que não chega a ser nomeada. Ela vive uma vida que por muitos poderia ser considerada medíocre: um emprego mediano, um apartamento chinfrim alugado, nenhum relacionamento sério a espreita. Porém, na verdade, a vida desta mulher é repleta de adrenalina; ela é uma ladra, que seduz seus clientes para roubar roupas, jóias ou qualquer outra coisa que possa ser trocada por dinheiro num brechó.
Quem assistiu a série Killing Eve provavelmente vai enxergar algumas semelhanças entre Eve e a narradora deste livro. Ela tem um quê de sociopata, demonstrando não ter sentimentos ou nada que lhe traga muito prazer. Porém, muito disso se explica pelo vazio que ela enxerga na cidade de São Paulo, nas angústias contemporâneas de uma metrópole apodrecida. Mas a cidade vez ou outra revela seus encantos, nas madrugadas ou em seus bares e restaurantes rabugentos.
Essa era a São Paulo de que eu gostava, a São Paulo depois do expediente, quando as pessoas afrouxavam a gravata e deixavam entrever, como flores sinistras rebentando pelo corpo, as marcas de viver numa cidade tão obcecada com a produtividade. Porque, no final, a verdade sobre uma cidade é esta: o que sobra de cada um depois que as luzes dos escritórios se apagam." p. 30
As coisas se agitam quando Biel, personagem central dessa trama, propõe à protagonista (que ele passa a chamar de "rabudinha"), um trabalho capaz de resolver financeiramente a sua vida: 50 mil reais em troca do roubo de uma cópia rara de O Guarani. O roubo foi encomendado por um rico colecionador, e a obra encontra-se sob a posse de um professor de literatura de uma faculdade particular.  Após muito considerar, a garçonete topa e começa então a traçar seu plano.

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Na rede de contatos da protagonista temos ainda a dona do brechó onde ela faz suas vendas: Tiana, uma mulher trans que entende tudo sobre modas, tecidos e valores. É interessante como o livro introduz a temática da transsexualidade na história e a discute através de Tiana, que enfrenta maus bocados no decorrer do livro.
A Tiana disse que nessa hora teve uma sensação estranha, de ser uma farsa, como um homem que se veste de mulher no Carnaval ou como uma mulher que carrega um corpo que não é o seu. E não é isso que você é?, perguntei. Uma mulher carregando um corpo que não é o teu? Claro que não. Eu sou tudo isso que eu sou, que não é homem, nem mulher, talvez nem trans, porque às vezes também não me sinto trans. Aí você tá complicando, falei. E ela me disse que os outros é que complicam. Que não entende a obsessão das pessoas com gênero, uma necessidade de viver enquadrando os outros numa categoria, como se a sexualidade e suas derivações fossem a coisa mais importante que existe, quando na verdade são apenas uma pequena parcela do que somos, a nossa tão vasta existência precisando passar por um buraco de agulha." p. 115
Em suas 189 páginas, o romance discute ainda temáticas como o consumo de drogas, a educação privada e a efemeridade da vida. Há ainda um forte apelo sexual, principalmente quando se tem em vista o plano de sedução bolado pela protagonista para fisgar Cícero, o professor em posse do almejado exemplar de O Guarani. Este personagem, que é parte essencial da história, não me agradou muito. Na verdade ele não chega a agradar muito a protagonista também, pelo menos não logo de inicio. Mas aí, pra não entregar tanto da história, te convido a ler e tomar as suas próprias conclusões.


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Já elogiei lá no começo a escrita da autora Giovana Madalosso, mas tenho algumas considerações a fazer. O seu estilo de narração, com os diálogos embutidos no texto e o jeito despojado de contar os fatos me agradou bastante. Entretanto, o tom formal encontrado na fala de alguns personagens me incomodou. Me pegava pensando "sério que alguém falaria assim numa conversa normal?". Não sou de gostar de floreios, o que é algo bem pessoal, então esse ponto me deixou um pouco decepcionada. 


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O trabalho gráfico dessa edição da Editora Todavia está impecável, com ilustrações de capa e verso da Camila Fudissaku. Recomendo muito o livro para quem está buscando ler mais literatura brasileira contemporânea, e pra quem curte uma narrativa fluída e instigante. Mal posso esperar para ver mais produções da autora!


ISBN: 978-85-93828-46-1
Editora: Todavia
Nota: 4/5 ⭐

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