Resenha: Kindred (Octavia E. Butler)


Acho que nunca fiquei tanto tempo olhando pra tela sem saber como começar uma resenha. Acredito que admitir isso é uma boa forma de começar e descrever o quanto Kindred foi uma leitura diferente. Pra começar, o livro foi a minha primeira leitura do CALMA - Clube Ativista Literário para Mulheres Ansiosas. O clube, situado aqui em Recife, escolheu Kindred como obra a ser lida no mês de março, e a Editora Morro Branco me disponibilizou essa cópia (muito obrigada!) 💖 E foi assim que li este clássico da ficção científica, escrito pela primeira mulher negra a ser reconhecida nesse meio.

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SINOPSE: Em seu vigésimo sexto aniversário, Dana e seu marido estão de mudança para um novo apartamento. Em meio a pilhas de livros e caixas abertas, ela começa a se sentir tonta e cai de joelhos, nauseada. Então, o mundo se despedaça. Dana repentinamente se encontra à beira de uma floresta, próxima a um rio. Uma criança está se afogando e ela corre para salvá-la. Mas, assim que arrasta o menino para fora da água, vê-se diante do cano de uma antiga espingarda. Em um piscar de olhos, ela está de volta a seu novo apartamento, completamente encharcada. É a experiência mais aterrorizante de sua vida... até acontecer de novo. E de novo. Quanto mais tempo passa no século XIX, numa Maryland pré-Guerra Civil – um lugar perigoso para uma mulher negra –, mais consciente Dana fica de que sua vida pode acabar antes mesmo de ter começado. 


Esse é um daqueles livros que já começam jogando a m*rda no ventilador. Vemos uma cena caótica antes de adentrar realmente na história da protagonista, que é a jovem Dana. Aos poucos vamos conhecendo melhor ela e seu marido, Kevin. Logo no primeiro dia deles no novo apartamento, algo estranho acontece do nada: Dana é transportada para uma floresta, e escuta uma criança gritar num rio, se afogando. Ela salva o garoto, mas em seguida é confrontada com um cano de espingarda na cabeça. Repentinamente ela volta ao apartamento, encharcada e confusa. Kevin, o seu marido, fica assustado, e Dana descobre que os vários minutos que passou naquele lugar foram apenas segundos para Kevin. 
Pouco tempo depois, novas loucuras como essa acontecem com Dana. Descobrimos que esse "teletransporte" acontece no espaço e no tempo, fazendo-a viajar para a Maryland do século XIX: uma cidade nada amigável para mulheres negras como Dana. Buscando entender os motivos do que está acontecendo com ela e se livrar de todo esse sofrimento, Dana vai embarcando cada vez mais fundo nessa nova realidade. Realidade em que ela se vê ligada a um menino que é parte do seu passado e peça chave do seu futuro.


Flagrada lendo Kindred no último encontro do CALMA 😅
Como mulher negra, me coloquei muito no lugar da Dana durante toda a leitura. É angustiante pensar sobre tudo o que a raça negra passou durante o período escravocrata, seja nos EUA ou mesmo aqui no Brasil, e é triste pensar o quanto esse livro do final da década de 70 ainda é atual. No encontro do CALMA, discutimos várias questões relevantes acerca da história, como a narrativa e as relações entre os personagens, falando de como a leitura fez nós, mulheres ansiosas, nos sentir.

Deixo abaixo alguns trechos do livro que foram marcantes para mim: 


"Já tinha visto pessoas serem surradas na televisão e nos filmes. Já tinha visto sangue falso nas costas delas e ouvido gritos bem ensaiados. Mas não havia ficado perto e sentido o cheiro do suor nem ouvido as súplicas e as orações das pessoas humilhadas diante de suas famílias e de si mesmas. Eu provavelmente estava menos preparada para a realidade do que a criança que chorava não muito longe de mim." p. 59

"Então, acabei me distraindo com um dos livros da Segunda Guerra Mundial de Kevin: um livro de memórias de sobreviventes de campos de concentração. Histórias de agressão, inanição, imundície, doença, tortura, todo tipo de humilhação. Como se os alemães tivessem tentando fazer em apenas alguns anos, o que os americanos praticaram por quase dois séculos." p. 188

"Não disse nada. Estava começando a entender que ele amava a mulher... para azar dela. Não se envergonhava de estuprar uma negra, mas se envergonhava de amar uma negra." p. 201



Eu gostei bastante da escrita da Octavia E. Butler, que construiu uma história muito bem elaborada e interessante. Algo que me incomodou um pouco foram os diálogos, que achei um pouco confusos e muitas vezes estranhos dentro das situações em que se apresentavam. Muitas vezes até mesmo não consegui aceitar a reação de alguns personagens a certas situações. Mas gostei de como o livro mexeu comigo, me fez refletir e deu muito assunto para discutirmos no encontro do clube.
Parabenizo aqui o CALMA por ter incentivado a leitura dessa obra tão incrível e também a Editora Morro Branco, por ter trazido a Octavia E. Butler para o Brasil. É incrível como, mesmo após tantos anos de sucesso internacional, a autora ainda não havia sido traduzida para cá. Vários outros livros da autora estão sendo publicados pela editora, e recomendo demais a leitura das obras dessa dama da ficção científica.


ISBN: 978-85-92795-19-1
Editora: Morro Branco

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